terça-feira, 7 de janeiro de 2014


Por favor não entre, espere um pouco na soleira da porta. Não bata mais nela, nem ao menos tente me chamar. Teu cheiro amadeirado, meio doce, ainda enche o ar de lembranças tuas. Teu riso ainda ecoa, reverbera, nas das paredes, manchadas com tua mão. Espere na soleira da porta , não tente entrar. Deixe-me apenas recolher os cacos; dos vidros, cristas, de mim. E depois deixe que cure minhas mãos, ensaguentadas, fendidas, rasgadas. Espere na soleira da porta, e se lhe convém, sente. Espere que eu recolha nossos lençóis, ainda marcadas com os traços do teu corpo; quente, grande, seguro, voraz. Deixe-me tentar esquecer o som dos teus passos; firmes e ritmados. Espere agora só mais um instante. Me lavo em água fria, sem deixar que me perca em mim mesma, enquanto ali, pelo ralo sujo, se esvai tudo de mim. Não espere mais a soleira da porta, se ainda aí estiver, entre. Enquanto pela janela, fujo. Me veja por dentro, e saiba que amanhã nada disso serei mais. Mas quando o dia chegar, não entre, e mais uma vez, espere na soleira da porta…
— Imemorada, atemporal, simplesmente esquecível.  

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